Meio Sol Amarelo

✍️ Chimamanda Ngozi Adichie

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Esta é o meu primeiro contato com a obra da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e fiquei muito bem impressionado com a leitura. A escritora escreve de maneira muito boa e, apesar do livro ter 700 páginas, a fluidez da escrita faz a leitura ser rápida. O romance Meio Sol Amarelo funciona como uma janela para conhecermos a Nigéria e sua história. Chimamanda ambienta o livro nos tempos pré- e durante a Guerra do Biafra. O título do livro se refere justamente ao sol da bandeira da República do Biafra. A linha do tempo não é totalmente linear ao longo do livro mas considero que isso não prejudicou em nada a fluidez e o entendimento da história.

A Nigéria, como a maioria dos países africanos, é uma criação artificial das fronteiras desenhadas colonizadores europeus no século XX. O país é, na verdade, um conjunto de etnias e tribos bastante distintas entre si que foram instadas a aprender a conviver pelos britânicos. O livro menciona as três principais etnias que povoam a Nigéria. Os hauças no norte, os iorubas no sudoeste e os ibos no sudeste. Os hauças são majoritariamente muçulmanos enquanto muitos ibos são cristãos. Os ingleses fomentaram a convivência entre as etnias e houve muitos deslocamentos étnicos ao longo dos anos. Por exemplo, houve muitos ibos que foram para Kano, no norte. Ao longo do tempo o ressentimento foi crescendo no país pois hauças e iorubas começaram a achar que os ibos tinham privilégios a mais e ocupavam mais postos de poder. O racismo entre etnias também era comum e o livro ilustra isso em várias passagens.

Sobre as relações étnicas, eu acho que uma leitura complementar ao livro da Chimamanda será o Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: um estudo empírico sobre cotas e grupos raciais, do Thomas Sowell. Um dos capítulos é dedicado justamente às políticas de ação afirmativa na Nigéria e talvez ali haja algo que possa explicar o aumento do ressentimento.

No romance em si, temos cinco grandes personagens que vão nos fornecer as suas experiências ao longo deste período tão terrível da história do país.

Ugwu: um adolescente no início do livro que é enviado para Nsukka para ser empregado do professor universitário Odenigbo. Ugwu vem de uma aldeia muito pequena e com costumes já considerados já antiquados para a vida na cidade (ex.: confiar nos poderes da feitiçaria para resolver problemas).

Odenigbo: professor universitário de matemática. Representa o pan-africanismo no livro. Mentalidade revolucionáia Admira os líderes africanos que iniciaram os movimentos de independência. Recebe muitos colegas da universidade em casa onde discutem política.

Ollana e Kainene irmãs gêmeas, filhas de uma família rica e influente da Nigéria. O pai tem contratos com o governo e os mantém a base de pagamentos de subornos. Ollana é claramente a “favorita” da narradora do livro. Estudou sociologia na Inglaterra e regressa a Nigéria para dar aulas de sociologia na universidade de Nsukka, onde conhece Odenigbo e se apaixona por eles. A relação com Kainene e os pais não é grande coisa. Kainene, aliás, é quase uma antípoda de Ollana, fria, calculista. Claro que a preferência da narradora por Ollana pode turvar a nossa percepção. A relação das duas vai ter altos e baixos ao longo da história e acho que foi bem construída pela Chimamanda.

Richard: um jornalista inglês que vai morar na Nigéria interessado nas artes nativas. No início do livro, Richard parece aquele jovem completamente perdido na vida e que não sabe o que quer. Ao longo do livro a personagem vai se desenvolvendo e ele “veste a camisa” do Biafra.

A história tem momentos duros e dramáticos. Acompanhamos a rápida deterioração das condições e como todos precisam se adaptar a nova realidade. O lado negro da natureza humana também se revela nessas situações extremas. Há um ou outro momento leve no livro. As relações sogra-nora são bastante engraçadas.

Recomendo a leitura. Vale a pena conhecer um pouco sobre a história da Nigéria através de uma escritora local.