A Fábrica de Cretinos Digitais
✍️ Michel Desmurget
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Uma excelente leitura sobre os efeitos das telas nas crianças e jovens. O autor do livro, o francês Michel Desmurget, fez uma pesquisa exaustiva e apresenta resultados que derrubam muitos mitos referentes a nossa geração digital. O autor pretende responder a uma simples pergunta: “constituirá a atual «revolução digital» uma oportunidade para os nossos descendentes ou um triste mecanismo de produção de imbecis?”. Infelizmente a resposta está muito próxima do SIM.
O autor começa desmontando o mito dos “digital natives” mostrando que a conversão tardia de uma criança para o digital não impede que ela tenha a desenvoltura para mexer com estes equipamentos do que alguém que esteja imerso no mundo digital desde a tenra infância. A diferença é que a criança imersa nas telas retarda algumas das aprendizagens essenciais (e estas são muito mais difíceis de serem recuperadas quando ficam mais velhas). A hiperestimulação das crianças com as telas é um problema: “No âmago dos primeiros anos, os ecrãs são uma corrente glacial. Não só roubam um tempo precioso ao desenvolvimento, não só lançam as bases para as utilizações excessivas posteriores, como, além disso, danificam profundamente a construção cerebral devido ao estado de saturação sensorial que impõem. Literalmente[…] este estado é a raiz de falta de atenção e da impulsividade no cerne da organização neuronal.” Há também uma crítica a mídia que promove esta ficção do “digital native” baseada em estudos falhos (e em muito hype).
Por falar em estudos, o livro faz uma apresentação tão densa que chega até ser cansativo acompanhar em certas horas. A leitura fica um pouco truncada e o estilo da narrativa torna-se mais acadêmico. De qualquer forma é importante ressaltar que o livro tem centenas de referências, a sua maioria estudos publicados em revistas científicas e outros livros sobre o assunto. E as referências vão desde a psicologia, sociologia até estudos de neurociência. O autor consegue, dentro do possível, dissecar alguns destes estudos para o leitor. Os temas são os mais variados, desde o efeito das telas na atenção, no sono, no aprendizado (aprender a ler e escrever num tablet é bom?). Qual o efeito dos video-games? Há alguma influência no comportamento? Há estudos longitudinais apresentados que revelam uma queda na empatia de jovens que jogam video-games.
Destaco aqui algumas passagens do livro:
“O smartphone segue-nos, aliás, para todo lado, sem dó nem piedade.É o Santo Graal dos sugadores de cérebro, o derradeiro cavalo de Tróia da nossa descerebração. Quanto mais “inteligentes” se tornam as aplicações, mais substituem o nosso pensamento e mais nos permitem tornarmo-nos idiotas. Já escolhem os nossos restaurantes, ordenam-nos as informações[…]Mais um esforço e, realmente, acabarão a pensar por nós.”
“Um estudo recente mostrou que bastava que se pedisse a um estudante para colocar o telefone na mesa durante uma aula para lhe perturbar o desempenho cognitivo, mesmo quando o telefone permanecia perfeitamente inerte e silencioso.”
“com um dispositivo móvel multiplica a probabilidade de atrasos linguísticos em quase 2,5. Da mesma forma, em crianças com idades compreendidas entre os 24 e 30 meses, o risco de défice linguístico aumenta proporcionalmente ao aumento do tempo de visionamento televisivo.”
Desmurget considera que estamos falhando e muito com a nova geração:
“Costuma dizer-se que a escrita acalma. Receio que nem sempre seja esse o caso[…]Lançamo-nos de boa-fé, avançamos escrupulosamente e acabamos por ficar horrorizados. Este livro é um bom exemplo disso. […]O que estamos a fazer aos nossos filhos é indesculpável. Provavelmente, nunca na história da humanidade foi realizada uma tal experiência de descerebração em tão grande escala.”
Entretanto, Desmurget não me parece derrotado, tanto que lançou um outro livro onde ele “convoca” os pais para colocarem as crianças para ler.
Para finalizar esta resenha, além de recomendar a leitura deste livro,deixo aqui algumas recomendações que o autor propõe aos pais:
Antes dos 6 anos
- Nada de ecrãs
Depois dos 6 anos:
- Não mais de 30min a 1h por dia (tudo incluído)
- Nada de ecrãs no quarto
- Nada de conteúdos impróprios
- Nada de ecrãs de manhã antes da escola
- Nada de ecrãs à noite antes da hora de dormir
- Os ecrãs devem ser utilizados um de cada vez. Devem ser mantidos fora do alcance durante as refeições, trabalhos de casa e conversas familiares.