Nocturno de Chile
✍️ Roberto Bolaño
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“Nocturno de Chile” é um enorme fluxo de consciência de um padre no seu leito de morte. O livro consiste de 2 parágrafos: um com 111 páginas e outro com uma frase de 8 palavras. Apesar de ser um livro bem fino é uma leitura densa e até certo ponto caótica.
Essencialmente o padre Sebastian Urrutia faz uma retrospectiva da sua vida. Padre e membro da Opus Dei, uma prelazia da Igreja Católica de cariz mais conservador do que a média da igreja, Urrutia também é um apaixonado pela literatura e dedicou-se a ser um crítico literário e poeta. Teve mais sucesso na primeira empreitada. As recordações do padre se misturam também com a história do Chile. Há uma mistura de ficcção com realidade. O padre recorda os seus primeiros encontros na casa de Farewell (um famoso crítico literário mas que é um personagem ficticio) com expoentes da literatura chilena como Pablo Neruda e Salvador Reyes. Há uma conversa mais intelectualizada e elitizada a respeito da literatura chilena. O padre também lembra a sua viagem pela Europa para aprender sobre a preservação de igrejas. Temos um relato fascinante sobre o papel fundamental dos falcões para evitar a sujeira causada pelos pombos.
Bolaño também mistura a história política do Chile no livro. O padre relembra do golpe de 1973 que colocou a junta militar liderada pelo general Pinochet no poder. E temos aqui uma parte inusitada do livro onde o padre é convocado para ensinar aos militares da junta (Pinochet incluso) a respeito do Marxismo. Além de Marx e Engels, o foco também se situa em Marta Harnecker, uma famosa marxista chilena que teve influência nos anos do governo Allende. A forma como Bolaño caracteriza Pinochet nesta parte do livro é, de certa forma, caricatural. O general é retratado como uma pessoa com fama de ter baixa cultura e que rejeita esta fama (afinal, tem vários livros de estratégia militar publicados, o que o torna um intelectual). Ainda durante a ditadura, o padre relembra o caso dos intelectuais que eram agentes da DINA, a polícia secreta de Pinochet. No livro os personagens são fictícios, mas a história é real.
Eu não sei bem o que dizer sobre o livro. Ao mesmo tempo que o padre relembra de forma febril as suas memórias, o padre é um personagem que parece deslocado em todos os cenários que ele relata. Não vi nele um brilhante crítico, nem um religioso com princípios sólidos. Pareceu-me esquivo no seu relato. Imagine uma confissão no leito de morte mas sem realmente se arrepender dos pecados.
Este livro foi a minha primeira leitura de Bolaño e apesar dele ter o dom com as palavras, esta história em particular não me cativou tanto. De qualquer forma, vou tentar algo mais do autor para saber de vale a pena continuar a explorar a sua obra.