O Evangelho Segundo Jesus Cristo

✍️ José Saramago

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Para quem conhece o pensamento de José Saramago, o que vem escrito neste livro não é surpresa. Temos um texto bem “subversivo” e que parece ter sido escrito mesmo com o intuito de chocar a comunidade cristã de Portugal. O tema da obra é bem ambicioso e Saramago consegue escrever uma boa história. E isto é algo que não podemos negar. Pode-se discordar de 90% do pensamento da pessoa José Saramago mas não se pode negar o grande dom que o escritor José Saramago tem com as palavras. O livro gerou inúmeras polêmicas em Portugal e umas das consequências foi que Saramago decidiu sair de Portugal para morar nas Ilhas Canárias.

Basicamente, o que temos em “O Evangelho segundo Jesus Cristo” é a “história de Jesus Cristo que a Bíblia não conta”. O foco do livro é na infância e juventude de Jesus, na sua relação com seus familiares e, em geral, com os habitantes de uma terra sob domínio dos romanos. Saramago faz questão de chocar o leitor ao começar o livro desfazendo o mito da imaculada concepção. Além disso, Jesus não é filho único. José e Maria têm uma prole numerosa. Na sua juventude, Jesus toma conhecimento da ordem de Herodes de matar todos os bebês nascidos na mesma época do seu nascimento. José escutou, por acaso, uma conversa de dois soldados romanos a respeito do assunto e conseguiu salvar Jesus deste malfadado destino. Jesus, entretanto, não se conformou que seu pai o salvou sem avisar as outras famílias do que viria acontecer. Jesus fica com um grande sentimento de culpa e este sentimento de culpa é uma grande força motriz do livro. O próprio Saramago revela isso em entrevistas posteriores à publicação da história.

As provocações de Saramago contra a Igreja não param por aí. No livro, Jesus se apaixona e se junta a Maria Madalena (e Saramago faz questão de enfatizar as reações “físicas” de Jesus ao ver aquela bela mulher a banhar-se). Também temos a revelação de que Jesus é o filho de Deus e a convivência de Jesus com o Diabo (retratado como um pastor). Deus é apresentado no livro como um ser cruel, vingativo, frio, manipulador e que não liga para a humanidade. Deus está apenas interessado em ser cultuado e adorado pela humanidade. O Diabo, pelo contrário, é apresentado como um personagem muito mais interessante. O diálogo a três que ocorre entre eles é fascinante.

Uma das partes mais impressionantes da história é quando Deus revela a um horrorizado Jesus que muitas pessoas vão morrer em seu nome e ao longo de várias páginas Saramago elenca uma lista de mártires cristãos e como eles foram mortos.

A relação entre Jesus e Maria é outro capítulo a parte. Na proposta de humanizar Jesus ao máximo, Saramago o coloca como um verdadeiro homem daquele tempo. Jesus trata Maria com indiferença e até um certo desrespeito (até mesmo transparece um machismo). Ao longo do livro, Saramago também vai incluindo algumas passagens já conhecidas da Bíblia, mas devidamente adaptadas ao contexto da história do livro.

O livro merece 3,5/5 pois em certos trechos a leitura torna-se bastante arrastada e o narrador Saramaguiano também perde-se em muitas digressões. Não foi o melhor Saramago que li (é mesmo difícil superar “Ensaio sobre a Cegueira”) mas é uma leitura que recomendo.